domingo, 4 de outubro de 2009

Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo muda vida de muitas pessoas

Associação promove procissão até Aparecida e mostra duas realidades diferentes

Cintia de Oliveira Refundini, 18 anos, estudante de jornalismo, católica praticante, resolveu ir a uma procissão. O percurso era seguir a pé de Campos do Jordão até a cidade de Aparecida do Norte, cerca de 250 pessoas seguiram nessa caminhada.
A procissão foi organizada pela ATST (Associação dos trabalhadores Sem Terra de São Paulo), e pelo grupo de católicos “Comunhão e Libertação”. Nessa caminhada estavam além dos fiéis, estudantes que fazem parte da Associação. Cintia foi empolgada, afinal era com um grande propósito: “nunca tinha ido a Aparecida com tanta gente, fiquei muito emocionada”.
Cintia fez muitas amizades, e logo no primeiro dia conheceu uma menina, que parecia ter a sua idade. Ela não quis divulgar o nome, por isso será chamada de “Maria”. Ao longo co caminho, Cintia viu que a garota não tinha muitas histórias para contar. Seu olhar era triste, não ria de quase nada, apenas escutava. No final do dia, por volta das 17h, já era hora de parar, fazer as barracas e dormir.
Maria não tinha colchão, e nem pediu à ninguém. Cintia logo arrumou um e deu à menina. “Nossa você não pode dormir no chão, pode pegar!”. A garota com os olhos cheio de lágrimas disse: “nunca ganhei nada de ninguém, muito menos uma pessoa fez isso por mim”. Cintia muito emocionada argumentou: “parece que sua vida é muito sofrida, não é? “Vim do Rio de Janeiro, apadrinhada de um membro da igreja. Não sou católica e nem frequento, mas como sofro com um problema que dificilmente tem cura, resolvi vir. Não tenho apoio da minha família nem amigos. Você nem imagina o que passo”, completa a menina chorando.
Cintia então, se aproximou ainda mais de Maria. Acordavam às 7h da manhã e caminhavam até as 17h. Faziam as barracas, comiam e iam dormir. Ela percebeu que tudo o que a menina comia, ela sentia – se muito bem e ficava até melhor, dava risadas. “Muito estranho, tudo para ela começou a virar festa, motivo de dar gargalhadas, achei diferente,” completa Cintia. Logo Maria revelou: “sabe por que eu fico tão feliz quando como? Sofro de bulimia há muito tempo, e aqui nenhuma vez passei mal ou senti vontade de vomitar ou provocá-lo, deve ser por me sentir tão bem acolhida que meu organismo se deu bem”.
Após quatro dias de caminhada, chegaram a Aparecida e assistiram uma missa. Na hora de partir, Cintia e Maria trocaram contatos, e parecia que a amizade iria ser duradoura apesar da distância. Ela sentiu que a menina tinha se curado de seu problema de saúde e emocional, ou pelo menos tivesse melhorado. “Nunca conheci uma garota tão nova e com tantos problemas, um gesto tão simples a fez desabar em lágrimas, realmente as pessoas precisam de Deus no coração. E o apoio da família e amigos é fundamental, além de alguém para conversar e desabafar também se torna muito importante.”
Depois de alguns dias Cintia tentou contato com Maria, mas ela não retornou. “Talvez pela distância ela viu que a amizade não tinha como continuar ou pode ser que ainda esteja com problemas”.
Após essa experiência Cintia sentiu que uma religião faz falta na vida de uma pessoa. “Eu sou muito abençoada por ter uma família, o apoio da minha mãe e ainda ser saudável. Ter amigos e pode estar numa faculdade, já é aonde muitas pessoas não chegam, sinto-me muito feliz pela religião que sigo. Acho que ajudei Maria de alguma forma, falei de Deus para ela e espero que tenha melhorado. Mudei depois que eu a conheci, dei mais valor as coisas”, ressalta emocionada.
ATST e Comunhão e Libertação
O movimento ATST começou em 1986, dentro de uma igreja católica na zona oeste da capital. Quando o padre perguntou: “quem poderia ser o representante de uma ação para ajudar 18 famílias que foram despejadas? Ninguém levantou a mão. “Já que nenhuma pessoa se dispôs a ajudar, eu vou escolher,” disse o sacerdote. Cleuza Zerbini, uma fiel da igreja não se prontificou, mas acabou sendo escolhida por falta de candidatos. “Eu não queria arrumar dor de cabeça para a minha vida, mas como fui escolhida por um padre, foi Deus que me escolheu,” completa Cleuza.
Cleuza, seu marido Marcos Zerbini junto com a comunidade foram à prefeitura várias vezes, até manifestações em Brasília fizeram. Mas viram que nada adiantariam ficar reivindicando sem ir à luta.
Após três anos, juntaram uma quantia com todas as pessoas e fizeram um financiamento junto à prefeitura, de uma área, não só para aquelas que foram despejadas, mas para mais 280 famílias.
Romilda de Oliveira Refundini, mãe de Cintia foi uma das que conseguiram uma casa própria após quatro anos de luta. O problema ainda não estava resolvido, pois faltava saneamento básico e asfalto. Novamente, a comunidade foi atrás, para pedir o mínimo para uma moradia digna.
De nada adiantou, após cerca de três anos de espera, juntaram vários ônibus sujos com a lama do bairro e fecharam a marginal Tietê. Não demorou muito e todo o saneamento, inclusive o tão sonhado asfalto estavam lá. Hoje já são mais de 60 mil famílias que foram ajudadas com o movimento.
Mas não era só de asfalto e saneamento básico que a comunidade estava precisando. Com a falta de infra-estrutura muitas adolescentes ficavam grávidas e outros jovens se envolvendo com drogas. Logo foi chamado o Dr. Alexandre Ferraro, especializado em clínica geral, para dar palestras sobre prevenção e abordar outros assuntos.
Dr. Ferraro não só ajudava clinicamente, mas sim dava conselhos, principalmente para os jovens. Cleuza e Zerbini logo perguntaram de onde vinha tanta bondade e paciência de ajudar e acolher tantas pessoas. Ele lisonjeado respondeu: “Sou católico e faço parte de um movimento da igreja chamado “Comunhão e Libertação”. O casal foi conhecer entusiasmado.
Iniciaram no “Comunhão e Libertação”, pois também eram católicos. Dentro da igreja conheceram uma iniciativa feita no Peru, chamada “universidade popular”. O movimento constitui em se unir para conseguir descontos em faculdades. Cleuza e Zerbini perceberam que iriam começar uma nova luta, para a melhoria da comunidade.
Cinco anos após a luta, já são mais de 40 mil estudantes universitários em várias faculdades de toda a capital.
Cintia que cursa jornalismo na UniSant’anna, tem um desconto de mais de 40%, por causa da ATST. “Minha mãe e eu conquistamos a casa própria e eu estou na faculdade devido a união de muita gente que se dispôs a ajudar pessoas que tanto sonhavam com uma moradia digna e uma faculdade. Sou voluntária da Associação desde meus 10 anos de idade, e acho uma atitude muita bonita ajudar quem precisa. O que seria de muitos estudantes se não fosse o movimento?”
Na UniSant’anna antes da ATST eram quase 3 mil alunos, após o movimento chega a 14 mil. Em sua grande maioria fazem parte do movimento. Todos inclusive os da moradia, têm que participar, uma vez por mês das reuniões e contribuir com R$ 7,00 mensais. A Associação tem também convênios de planos de saúde e descontos em escolas de inglês.
Em todas as faculdades conveniadas ficam um representante da ATST pelo menos uma vez por semana, para resolver algum problema ou esclarecer alguma dúvida. Dentro da sede da Associação existe também um grupo de estudo para quem precisa de reforço em alguma matéria.
E Cleuza diz em todas as reuniões: “Nunca desistam de seus sonhos, pois vocês não estão sozinhos, estamos juntos nessa caminhada”.

Priscila Gomes

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