quinta-feira, 28 de maio de 2009

Castelinho da rua Apa e suas histórias



O local foi cenário de uma tragédia nos anos 30 nunca esclarecida, e hoje leva esperança para muitas crianças e moradores de rua

Chegando à avenida São João, parece que cada passo conta um pouco da história daquele castelinho. Muitos prédios e casas antigas, lojas que vendem móveis de época, começam a entregar que aquele pedaço de bairro tem algo a nos contar. Tudo atrai e convida para quem gosta de mistérios. Em volta do castelinho, o que se vê, é a cidade evoluída, e sua antiga arquitetura desperta curiosidade. Mas o abandono do prédio deixa inconformado quem o olha e admira.
Do lado de fora, seu portão é todo enferrujado e amarrado. As pichações mostram que as pessoas encontraram com o passar do tempo novas formas de se comunicar, mas o castelinho, com suas deteriorações, nos apresenta que a evolução da cidade só o faz se acabar cada vez mais. Virou ponto de referência de um crime dos anos 30, que chocou o país e que até hoje é comentado. É conhecido como mal assombrado.
Alguns moradores mais antigos não gostam de comentar sobre o assunto, mas relatam que já ouviram choros e gritos de dentro do castelinho. Quanto aos novos vizinhos, muitos não acreditam nessas histórias, ou preferem nem acreditar. Até moradores de rua dizem que não passariam uma noite no castelinho.
O castelinho é situado na rua Apa, 236, esquina com a avenida São João, foi construído em 1912, planta que veio da França. Nele moravam Maria Cândida Guimarães dos Reis, seus filhos Armando César dos Reis de 43 anos e Álvaro César dos Reis de 45, advogados e empresários. Família muito rica e conhecida. Sobre Maria Cândida, contam que era muito boa para a vizinhança, fazia trabalhos voluntários para uma igreja no bairro de Santa Cecília.
Segundo a versão definitiva da polícia, Álvaro na noite do dia 12 de maio de 1937 assassinou o irmão, a mãe e logo em seguida se matou com dois tiros no peito.
Jornal “A Gazeta Daqui e de Fora” de 13 maio de 1937

Mas o crime até hoje não foi esclarecido, pois algumas provas da perícia sumiram. O cabo da arma que efetuou os disparos nunca foi encontrado no local. Os dois institutos que analisavam o caso estavam com informações divergentes. Na época as fotos eram feitas em vidro, sendo levados por um carro, que capotou no bairro de perdizes, quebrando-se todos. Ficaram somente fotos que jornalistas tiraram no dia do crime.
Susan Iannace, historiadora e oficial de justiça, estuda o processo do castelinho desde 1990, conta como tudo aconteceu. Susan não acredita que Álvaro seja o assassino, pois os corpos dele e do irmão estavam paralelamente na mesma posição, entre outras divergências na cena do crime. Segundo ela há muitos mistérios e contradições nesse caso.
Álvaro e Armando mortos Em frente ao castelinho na noite do crime
Jornal “A Gazeta Daqui e de Fora” de 13 maio de 1937

Tudo aconteceu porque Álvaro na época era campeão de velocidade em patinação e queria fazer um ringue para a prática do esporte, se chamaria “Palácio do Gelo”, que ele tinha visto na França. Armando divergia da opinião do irmão, porque não queria gastar todo aquele dinheiro.
Álvaro teve que viajar e Armando tomando conta de seus negócios. Quando ele voltou de viagem alguns documentos e notas promissórias haviam sido adulterados e por valores muito maiores. Muitas investigações foram feitas por Susan e outros interessados no caso, para descobrir quem realmente eram esses sócios, mas todos esses documentos foram perdidos.
Isso ocasionou conflito entre eles, mas Álvaro já havia se comprometido com seus sócios que eram as famílias “quatrocentonas”, ricas e de muitos investimentos. Moravam também na casa os empregados Elza Lengfeider, seu marido Rodolpho Lengfeider e a filha do casal Maria Aparecida.
Na noite do crime em depoimento a policia, Maria Aparecida e Rodolpho haviam saído e Elza estava sozinha. Quando ouviu alguns disparos Elza saiu correndo pela rua em busca do marido e da filha. Conforme matéria do jornal “A Gazeta Daqui e de Fora” de 13 maio de 1937.
Um ano depois o caso foi arquivado e dado por encerrado. Na época, parentes colaterais como sobrinhos e primos não tinham direito a receber herança. Sendo feito um leilão de todos os móveis da casa. O prédio ficou para o Departamento do Patrimônio da União até 1951, quando a receita federal ocupou.
Já na década de 40 morou por cerca de quatro anos no castelinho, Anchizes Pinto, o palhaço “Ankito”. Numa entrevista dada a Susan ele dizia que ouvia muitos passos, portas se abrindo e fechando e torneiras sendo abertas. Mas o palhaço não tinha medo e até comentou: “É uma pena que tudo isso está se acabando”. Ele era um apaixonado pelo local. “Ankito” morreu em 30 de março desse ano, aos 85 anos.
Ankito na década de 40 Ankito em 2007
Logo depois morou por cerca de 20 anos outra família, que também relatava a vizinhos que escutava passos e muitos barulhos, mas nada impediu de continuar lá.
Na década de 80 ficou abandonado, virando um ferro velho e depósito de sucatas.
Jornais de 1988 anunciavam o abandono e o filme “Fogo e Paixão” com Fernanda Montenegro

Surge Maria Eulina dos Reis, na época uma moradora de rua e sonhadora, que dizia: “Um dia esse castelinho vai ser meu”. Maria Eulina, vendo todo aquele prédio sendo destruído pelo tempo e esquecido pelas autoridades, começou a lutar pelo imóvel.
No ano de 1990, Susan resolve entrar com processo de tombamento e pedido de restauração.
Em 1997 Maria Eulina consegue o que tanto sonhava. O prédio continuava pertencendo à União, mas foi cedido a ela para que utilizasse o espaço. Concretizando o sonho que era ajudar moradores de rua e lutar para a reforma do seu tão sonhado castelo.
Somente em 2004 o castelinho foi tombado.
Dentro do castelinho pelas fotos mostram que não tem condições de se instalar, pois está muito deteriorado. Algumas paredes e parte do teto são escoradas com pedaços de madeiras. Com a ajuda de algumas empresas voluntárias, foi comprado um imóvel ao lado para que pudesse funcionar o projeto de Maria Eulina.
Parede do castelinho sem o teto Parte do teto escorada com madeiras

No prédio ao lado funciona a ONG (Organização Não Governamental) chamada “Clube de Mães do Brasil”, que ajuda moradores de rua, servindo refeições. Alguns tomam banho e até são voluntários, fazem a entrega de refeições daqueles que estão longe dali, limpam o local entre outros serviços.
Logo pela manhã por volta das 8h30, na ONG, Maria Eulina prepara o almoço, muito nervosa não queria parar para conversar. Mas logo foi cedendo e contando muito empolgada sobre seus projetos. Relatou muito emocionada que está com câncer e fazendo tratamento no hospital Emílio Ribas. Ela conta que a doença veio para que ficasse ainda mais forte e assim continuar lutando.
Existe o trabalho com crianças carentes, algumas delas moradoras de rua ou de favela. Lá tem aulas gratuitas de capoeira, alfabetização, sala de jogos e até informática. Maria Eulina relata: “Quem diria que um dia eu pudesse plantar sementinhas de esperança de uma vida melhor no coração de cada criança dessa, e eu que tanta fome passei hoje sirvo comida”. Ela sonha em ver o castelo reformado para dar continuidade ao seu projeto, diz que seria mais um sonho realizado. Pretende também escrever seu próprio livro contando tudo o que já passou e as histórias que já ouviu dessas pessoas que tanto sofrem nas ruas.
Maria Eulina conta que semana passada estava andando pela rua e um rapaz a abordou e perguntou: “Lembra-se de mim?”. Ela respondeu que não. E ele disse: “Você não se lembra de mim, mas em 1997 eu era um viciado e mesmo assim você me acolheu, e falou tudo o que eu merecia ouvir, que era para eu sair dessa vida, pois Deus não gostava daquilo que estava vendo. Hoje sou casado, tenho uma filha e nunca vou me esquecer de tudo o que fez por mim.” Maria Eulina fala emocionada: “É isso que me dá forças para continuar lutando todos os dias.” Ela foi até inspiradora de um livro chamado “Ser mão é tudo de bom”, de Barbara Heliodora, contando histórias de mães famosas que relatam suas experiências como amamentar, cuidar de um filho entre outros gestos de amor.
Maria Eulina Maria Eulina na cozinha da ONG

Edmar Matoso mora com seus quatro filhos na rua enquanto seu marido está preso.Edmar conta que é preciso doar um de seus filhos para quem quiser cuidar, pois ela não tem condições de criar. Durante a entrevista, apareceu uma senhora que não quis se identificar e disse que uma amiga gostaria de adotar uma criança. Maria Eulina não deixou que a conversa se estendesse, pois foi logo dizendo as duas, teriam que ir ao juizado fazer o processo diante da lei e não no meio da rua na frente das crianças. “Sou muito grata a Maria Eulina, porque ela já matou muito a minha fome e desde que tive meu primeiro filho ela me ajuda”, diz Edmar. Marcos Ferreira Silva, morador de rua, relata: “A Maria Eulina ajuda muita gente, todos os dias eu almoço no castelinho”.
A ONG também ajuda um grupo de senhoras que não tem condições de sobreviver com a aposentadoria. Algumas empresas e pessoas doam pedaços de retalhos de panos para que elas possam confeccionar enfeites de cabelo, pulseiras, brincos, bolsas e tudo que a criatividade deixar. Aos finais de semana é feito uma feira em um salão na praça Benedito Calixto, no bairro de Pinheiros, onde as senhoras vendem suas produções e ganham seu próprio dinheiro. Elas também ajudam a ONG naquilo que podem, comprando alguns mantimentos.
No final da entrevista Maria Eulina relata uma curiosidade sobre o castelinho: Em dezembro de 2008, vieram investigadores de vários países chamados vulgarmente de caça-fantasmas. Esse grupo de investigadores chamados de Ghost Hunters International visitam locais de crimes não foram totalmente esclarecidos, ele possuem detectores de presença não humana no local, ou seja, de almas eu possam ser gravadas ou sentidas pelos detectores. Possuem gravadores de voz. Tudo é eficientemente gravaod e monitorado. O grupo ficou uma semana no castelinho. Fizeram várias perguntas a todo tempo, durante o dia e noite. Ao irem ao estúdio com todo o material, mostram nas gravações os investigadores perguntando: “Maria Cândida quem a matou?” Na gravação se ouve nitidamente uma voz feminina respondendo: “Eduardo”.
Uma cópia do DVD foi dada a Maria Eulina e ela não pensou duas vezes e forneceu outra cópia a Susan. Maria eulina acredita que realmente as três almas estão ali no castelinho, porém não teme e não se preocupa em saber que os matou. Apenas diz: “Sei que essa família está muito feliz por tudo o que faço por esse povo tão sofrido”.
Susan após receber a cópia do filme relata: “Esse castelinho sempre terá mistérios para nos surpreender”.


Priscila Gomes

10 comentários:

  1. nossa passei por la ontem fiquei curiosa e vi aqui no site e fiquei assustada de mais se pudece recontru ele e muito lindo passei por la e estava reconstruindo com lona azul e tonbado

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  2. Ja havia lido muito sobre o castelinho e seus moradores, mas vc inclementou algo a mais na história, que é a historia mais bela que se possa ter na Maior cidade da América do Sul, que é a Fraternização entre as pessoas.São paulo precisa mais e mais de pessoas como Maria Eulina para fazer as pessoas se sentirem humanas e com valores.Muito bonito, parabens pela crônica.

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  3. Ja morei la e nunca vi nada morei la muitos anos e tenho boas recordaçoes de la nao gostaria q acabase assim mas fazer o que ne

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  4. NA HORA DO CRIME, HAVIAM EMPREGADOS NA CASA , MAS NINGUEM OUVIU NADA....HAVIA TAMBEM UMA QUARTA PESSOA, POSIVELMENTE O ASSASINO QUE HABILMENTE COMPROU O SILENCIO DE TODOS

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  5. Eu sou simplesmente fascinado pela história do Castelinho da Rua Apa.
    Agora, imaginem: durante anos e anos, Álvaro levou a culpa do assassinato da família. E os GHI (tem a matéria no YouTube) descobriram fatos incríveis. Álvaro era destro e a arma foi encontrada na sua mão esquerda. Ele morreu com dois tiros no coração, ou seja, praticamente impossível ter cometido suicídio. E uma quarta pessoa estava lá no momento do crime, fugindo com duas armas, que nunca foram encontradas.
    Quem quer que seja esse Eduardo, pode ter matado a família e fugido numa boa. Infelizmente, jamais saberemos a resposta, mas é algo incrível.

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    1. Paulo Henrique, meus cumprimentos. Primeiro preciso perguntar o que você sabe, exatamente sobre o Castelinho. Sei que parece estranho, após tanto tempo alguém surgir do nada e fazer uma pergunta dessas, mas entenda que todas e quaisquer informações são de suma importância para conduzir ao final definitivo uma história que já está caminhando à sua solução. Desejo esclarecer que tudo o quanto falarmos acerca deste assunto será mantido no mais absoluto sigilo e para que possa ser alvo de sua confiança, passo-lhe uma informação: Eduardo era primo de Álvaro e Armando e não havia, no local uma quarta pessoa, mas uma quarta, uma quinta e uma sexta (e provavelmente uma sétima). Por hora, agradeço pela atenção.

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    2. E provavelmente o investigador responsavel pelo caso era um corrupto capanga de Getulio, portanto deve ter encerrado o caso por interesses, já começa pela lei que impedia parentes de 2 grau serem herdeiros, naquela época era facil impor uma lei e aprovar no ato, não existia senado, Getulio era ditador e mandatario

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    3. E provavelmente o investigador responsavel pelo caso era um corrupto capanga de Getulio, portanto deve ter encerrado o caso por interesses, já começa pela lei que impedia parentes de 2 grau serem herdeiros, naquela época era facil impor uma lei e aprovar no ato, não existia senado, Getulio era ditador e mandatario

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  6. Vi seu comentário do blog do MedoB. Adoraria ler um livro sobre este cado do Castelinho! Sou de Brasília e vi este castelinho quando viajei para São Paulo.

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  7. Sou apaixonada pela arquitetura do castelinho desde criança, quando passava pelo elevado perguntei para meu pai, quem mora aí? espero que restaurem pois é muito lindo!

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